Moonmadness - Camel

Esse post é baseado em minha experiência com prog e minhas impressões a respeito!


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A década de 1970 tem um som de progressivo muito característico que marcou o que a autora considera como "a menina dos olhos do gênero" - que, tendo passado os anos de 1960 com a riquíssima influência do rock e música clássica, como a passagem do álbum Days of Future Passed de The Moody Blues - essencial para a idealização do que veio a ser o progrock - consolidou grandíssimos grupos como Yes, Genesis, Van der Graaf Generator, Caravan e diversos outros. Além disso, é pré-anos 1980, década marcada pela migração e transformação de diversas bandas de rock progressivo para um som mais pop, psicodélico e space-rock.


O que consideramos essencial desse recorte de prog, é a transição entre os momentos das músicas, que assim como uma peça clássica, valoriza o tempo de desenvolvimento dentro dela mesma, suas sequências, diversidade de ritmos com marcação bem definida; a narrativa dentro do próprio álbum, como mono-tema ou que as faixas estruturalmente se conectem entre si tanto em um só lado do disco como em ambos.

Há de se pontuar também que nesta década os instrumentos constantemente eram, - além de guitarra e baixo - sintetizadores, teclado, saxofone e flauta. Sem falar na bateria, que nos guia e nos ritmiza e é um dos principais pontos altos do som.

Podemos afirmar também que há de ocorrer passagens agressivas, mas que no entanto não são uma máxima e estão longe de ser uma obrigatoriedade. O som mais "pesado" você encontra em outras vertentes, porém às vezes ele é usado para pontuar partes em uma faixa, para impactar uma transição ou descrever uma situação, ou mesmo em composições mais jazzy.

Claro que mais tardiamente o gênero continuaria a ser trabalhado e desenvolvido, como vemos até hoje. Mas é notável a diferença no progressivo, o que é obviamente natural, conforme as décadas em que ele foi produzido.  Hoje há tanto emulação dos instrumentos e estrutura da época, como também experimentação e novidades com as novas possibilidades da tecnologia, além de o prog estar presente em outros gêneros.

Não há exatamente regras que moldurem o gênero, o que acontece é mais uma identificação com o estilo de acordo com sua árvore de junções, a construção da música.

Pontuo isso porque considero importante localizar em que momento o álbum foi lançado, para justificar sua formação - onde se valoriza bastante a instrumentalidade, as faixas sem vocal, ou ainda a narrativa dentro de uma faixa como um mini-filme sem imagens.

Nem preciso dizer que é um de meus discos favoritos.

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Moonmadness é o quarto álbum da banda inglesa Camel, lançado em 1976. Na segunda metade desta década, já se notava uma certa decadência do progressivo. Com suas baixas vendas e com vários grupos tendo desbandado, temos aqui um disco que conta com a formação clássica da banda pela última vez.

As faixas são sobre os próprios membros. Uma manifestação de si mesmos, com uma abordagem diferente dos álbuns anteriores.

Se houver de apontar um tema, ele é praticamente homônimo. A lua, a loucura, a melancolia. E essa história começou, de acordo com palavras do próprio Andy Latimer (você encontra aqui), em uma ida ao campo para compor o próximo álbum da banda, onde ele se encontrava com Pete Bardens e surgiu um papo sobre casas assombradas, o espírito das coisas, ocultismo e no fim chegou na frase "as coisas ficam meio malucas quando se há uma lua cheia" e "nós ficamos com uma certa loucura lunática".

Para essa postagem, irei apenas comentar as músicas presentes inicialmente no álbum. As versões atuais contam com faixas de outros discos e algumas em ao vivo.

Quanto aos álbuns anteriores, eu não irei comentá-los, mas são todos excelentes.

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LADO UM

1. Aristillus

A entrada do Moonmadness é uma faixa divertida, curta e com um vocal que parece uma língua alienígena bem tímido. Soa como uma introdução de filme, e sem contexto, havia me parecido uma música sobre um lugar frio. A verdade é que seu título é o nome de uma cratera da lua, e faz sentido pensar em frio quando pensamos no astro.

Me veio também à lembrança as composições de Mort Garson, conhecido principalmente por Plantasia - lançado no mesmo ano que Moonmadness - que produzia excepcionalmente músicas instrumentais. Nele se nota principalmente a ambientação e os sintetizadores, e é aqui onde minha lembrança se conecta: realmente há um som meio fílmico, alienígena, moderno, futurista, meio 2001 - Uma Odisseia no Espaço.

Aproveitando a deixa, não vou esquecer de mencionar os temas espaciais de Pink Floyd, afinal seu som é space, porém a psicodelia dentre outros elementos, afasta ambas as bandas. É um som a parte. Vocês poderão notar a diferença entre os sons se encontram prazer em comparações.

2. Song Within a Song


Uma faixa de duração de 7 minutos que tem as características de um som Camel. Simplicidade, estrutura, a voz como um instrumento.

Antes de chegarmos na letra, vamos observar sua construção: a entrada é a bateria com a melodia que desenvolve até dar entrada aos vocais. Eu quase consigo visualizar a poeira da lua, uma quietude demonstrada pela flauta e um coração batendo que é confortado nessa imagem.

O tema da solitude e conforto é uma constante nos álbuns da banda, onde encontramos faixas sobre memórias de pessoas que já se foram ou até nossos próprios velamentos. Me lembra bastante a impressão "daydream", do sonho diurno, já trabalhado antes por eles.

Após a parte mais tranquila da música, há a transição não-violenta para a parte mais empolgante, marcado principalmente pela percussão e guitarra que lembram o distanciamento da terra em uma conversa celestial e espacial.

A impressão que tenho é uma espécie de reconforto de alma, que podemos confirmar com as letras:

1
The sun has left the sky
Now you can close your eyes
Leave the world behind until tomorrow
2
The dream is like a song
It leads you on and on
The piper plays his tune so you must follow
3
So far beyond the sky
Not knowing how or why
You realize this feeling is forever
And though another day
May steal your dreams away
You and the song will always stay together

3. Chord Change


Essa é uma de minhas músicas favoritas desse álbum. Seu título já fala a que veio a faixa: "mudança de acordes". Essa parte transpõe a história contada anteriormente para uma mudança, e é inteiramente instrumental.

Começamos com o som em batida mais rápida, com frenesi e uma melodia mais solta - que não deixa de ser ritmada. Há uma composição e estrutura trabalhada nas mudanças de transição dentro da música que além de conversarem muito bem entre si e nos contar sua própria história, brinca com uma progressão bem cercada e de muito afinco. O solo de guitarra é uma das melodias mais gostosas de ouvir no álbum. Pura excelência.

Essa música ainda me passa mais a impressão de frio e neve, voltando o som para a terra. Por sinal, essa faixa é sobre a personalidade do Pete Bardens, que segundo os membros, era bastante "mutável". Faz sentido.

4. Spirit of the Water



Essa música é sinistra. Não estou falando da gíria, mas do clima. É o que eu chamaria de "eerie", tem uma melancolia e esquisitice tanto no ritmo quanto na letra. É curta e cumpre muito bem seu papel de causar uma impressão.

Imagino que o começo parece som de trânsito, então na minha cabeça parece um negócio meio urbano e melancólico, como alguém numa pista prestes a morrer ou coisa assim, hahah. Essa é uma interpretação bem pessoal que tenho com a música.



A letra da música vem do livro Sidarta, de Hermann Hesse, que também influenciou faixas em Snow Goose de Camel. Mas o livro é também conhecido no rock progressivo como inspiração do LP Close to the Edge, de Yes.

O título vem das últimas linhas do livro "Salar The Salmon", de Henry Williamson.

Os efeitos aplicados nos vocais ajudam mais ainda a trabalhar com a imensidão da água, a profundidade. Fica super climático.

1
See the lights out on the water
Come and go, to and fro
In the time it takes to find them
You can live, you can die
And nothing stops the river as it goes by
Nothing stops the river as it goes
2
All alone and all together
Every day, come what may
By the time we find each other
We can live, we can die
And nothing stops the river as it flows by
Nothing stops the river as it goes

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LADO DOIS



1. Another Night


 Entrada baixa que vai subindo até surgir a bateria. A impressão que tenho com a letra é a de que essa música se passa sim, na terra. Estamos na perspectiva de observadores da lua aqui. O vocal é abafado e com um efeito de eco que também, é bastante climático. A voz soa como um instrumento.

Voltando para a realidade, é sobre o Doug Ferguson. Falavam que ele gostava de aventuras malucas, então faz sentido essa música ser tão energética. Também acho ela meio efêmera. Uma noite de curtição é uma distração, um escape.

Há uma pausa contemplativa no instrumental para a segunda estrofe da música, que logo após volta a acelerar na terceira parte.

Gosto de como trabalharam com as aventuras de Fersugon com a letra e ritmo. Com o ritmo, tem esse tom de correr o risco, e com a letra há um desejo inquietante e uma certa tristeza condizente com a melancolia noturna do álbum.

1
Fog rubs before our eyes
Can't face the morning skies
Day comes a day too soon
I'm waiting for that silver moon
2
Maybe I'm wrong
But I'm feeling like another night
Would make it alright
3
Twilight is fading through
Seems like I'm fading too
How can I believe it's real
When nothing starts to stop this wheel?

2. Air Born


A entrada é uma flauta fria e piano pastoral que nos envolve como uma névoa num lugar solitário. Há uma impressão de distanciamento terrestre, talvez não literal, mas catártico. O vocal parece envolvido por um respiro frio e cristalino. É uma música sinestésica. Faz sentido, devido ao teor romântico.

Depois a flauta volta com uma impressão meio espacial, meio cósmica.

Uma parte que gosto bastante nessa música é como antes da terceira estrofe é construído um silêncio, para depois a música levantar como um vôo com a chegada de seu primeiro verso.

Essa música é sobre o Andy Latimer e aqui ele tentou criar algo que descartasse as influências norte-americanas e escrever algo bastante inglês.

1
High flying diver, spread your wings
Flying high on a cloud
Born on the air, spiral around
So easy making circles
You never touch the ground
2
You see the sea, feel the sky
Don't know where you're going
You don't, you don't know the answers
To what's in my mind
Riding on the wind and turning with the tide
3
Light takes you up, it brings you down
Change is the things that to me
Is chained to the frost, the wind and the rain
And everyone keeps staring up
You'll be back again

3. Lunar Sea




A última faixa do álbum possui 9 minutos e é inteiramente instrumental. Som de sinos, uma impressão congelante, aquática e cósmica a introduzem. Aqui se usam sons para emular bolhas dentro do mar.

Depois dessa introdução de ambiente, a guitarra sobe junto com a bateria e acelera o movimento. É jazzy. Do calmo para agitado, essa música é sobre Andy - que mais tardiamente seria diagnosticado como bipolar.

A faixa termina tal como começou, porém com um som de trovão ao fundo que toca por bastante tempo. É proposital: era uma sugestão de Rhett na hora de tirar a agulha do disco.

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Arte de John Field

Essa capa casa perfeitamente com o conteúdo do álbum. É alguém sozinho, contemplando a lua, próximo de um lago. Há referências a algumas faixas, como o peixe e a tempestade que se aproxima.

Moonmadness é um álbum entrega bem demais. Minha avaliação é de que ele consegue vender um clima, uma história, e se você quiser pode brincar de ligar pontos entre as faixas pra elas lhe passarem uma mensagem. Também acho que ele combina com os anteriores, principalmente quando mesmo nas histórias mais de aventura, há ainda um sentimentalismo e solidão.

Eu gosto de tudo nesse álbum, da instrumentalização, das passagens e das letras. Tenho uma conexão muito grande com o Moonmadness, ele serve perfeito a mim.

Se ele é o melhor de Camel? Para mim não tem essa questão. Camel tem álbuns muito bem equilibrados em quesitos técnicos e de composição num geral, então é muito difícil pontuar. Só sei que meu top é Moonmadness - Mirage - The Snow Goose - Rajaz - Camel - Stationary Traveller, tudo no mesmo cantinho.
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