✧ Minhas reflexões acerca de Inio Asano



Primeiramente gostaria de dizer que eu não sei bulhufas de psicologia e muito menos tenho propriedade pra falar sobre, mas vamos seguindo. Esse texto pode engatilhar alguém, assim como as obras citadas nele, então tenha certeza de estar numa zona segura ao realizar sua leitura.

Ninguém gosta de pensar algo que não deveria, mas às vezes isso acontece. Talvez o que nos mantenha “humanos” seja a aversão a esses pensamentos. Eles acontecem por vezes, mas não podemos concretizá-los. Você se sente asqueroso,sente nojo em pensar aquilo a respeito das pessoas que ama. No post de hoje irei comentar sobre pensamentos intrusivos em dois mangás de Inio Asano: Nijigahara Holograph e Oyasumi Punpun e minhas demais impressões sobre eles. Apesar de eu ter lido Solanin, acho que ele foge um pouco disso.

Entendam que eu sou uma pessoa que leva em consideração principalmente minhas próprias reflexões, então não deverá haver uma base sólida nesse post, apenas minhas conclusões.

✧✧✧


Na ficção o uso desses pensamentos não é usado com bastante frequência, talvez por seu nível de franqueza e repulsa que nos causa. Mas é inegável que talvez você já tenha tido algum pensamento assim. Pode ser que, devido as sensações que esses pensamentos nos causam, eles não estejam tão presentes assim na mídia. É um aspecto bem “cru” dos seres humanos, afinal.

Gostaria de citar outras duas obras que fazem uso desse artifício para não contarmos apenas com o exemplo do texto.

Na série Hannibal os pensamentos intrusivos são bastante evidentes por toda a série, principalmente a partir da segunda temporada. O personagem Will Graham possui uma empatia que se equipara com um superpoder, pois ele consegue sentir-se na pele até mesmo de assassinos. Para realizar esse trabalho, claro que ele não poderia permanecer intacto. É aí que surgem os pensamentos. No entanto isso fica ainda mais explícito em um diálogo entre o personagem e a terapeuta Bedelia no final da terceira temporada, quando eles estão conversando sobre pensamento e ato. Nesse diálogo, Bedelia dá o exemplo de que num primeiro momento uma pessoa pode sentir empatia por um filhote pássaro que caiu no ninho e por isso sentir que precisa ajudá-lo. No entanto, num segundo momento, essa mesma pessoa pode sentir o impulso de pisar nele.


Em Immortal Rain, é possível perceber que o personagem Yuca Collabel, um metuselá que deseja morrer, possui extrema aversão a qualquer coisa viva. Além de seus pensamentos intrusivos de tortura, ele comete a consagração do ato. Em paralelo com Hannibal, esse personagem aqui literalmente pisa no passarinho, da mesma forma em que se sente satisfeito com os mísseis caindo no céu.

✧✧✧✧

Partindo para Inio Asano agora, gostaria de declarar que não é que eu ache suas obras fabulosas, mas sinto uma espécie de apatia nelas. Talvez seja esse aspecto cru que me causa um certo estranhamento. Talvez seja intencional, ou não. Acho que isso vem muito do interior de Asano. Ao mesmo tempo em que eu sinto um certo distanciamento emocional em suas obras, elas sempre me pareceram um relato bastante íntimo, talvez como um manifesto interno de tudo que a/o perturba.

Em Oyasumi Punpun e Nijigahara Holograph é possível perceber uma certa secura nos relacionamentos, uma brutalidade emocional que se estende para a forma física por meio de agressões, estupros, relações de controle. Talvez por isso eu ache tão estranho alguém se identificar com o personagem Punpun. Ele é permeado por seus pensamentos invasivos desde a infância, com uma visão completamente apática do mundo até se tornar o adulto que alimentou aqueles pensamentos de forma que eles se tornassem parte dele, os concretizando de forma ríspida e imoral.


Em Nijigahara Holograph, o trabalho com os pensamentos já é mais de analogias, o que pode ser notado nas cenas finais do mangá, onde rola aquele jogo de “e se eu tivesse feito isso, eu tinha plena capacidade de cometer o ‘ato’”. Porém não há essa concretização de fato no final, a não ser não pelo protagonista.

Outros aspectos que me são recorrentes são as representações do homem e da mulher nesses quadrinhos. Inio Asano transforma todos seus homens em seres naturalmente cruéis, os tornando causadores de todos os problemas que ocorrem nas histórias, como se o comportamento deles fossem fruto de sua própria internalização. Enquanto que, para as personagens femininas, elas parecem ser vítimas da realidade, das situações. Suas dores são frutos de fatos e não de uma internalização social, sejam elas por terem sido vítimas de agressão - às vezes provocadas por outras mulheres - e estupros.


Ao mesmo tempo em que as personagens femininas possuem suas dores cravadas no solo, elas possuem uma aura de misticismo. Geralmente, não há a exposição de seus pensamentos internos, mas uma espécie de diálogo silencioso que ocorre entre elas, que geralmente ou fica exposto por seus atos ou por um olhar, gesto corporal. O misticismo está presente principalmente na personagem Aiko, de Oyasumi Punpun, ao passo em que ela é uma musa e uma vítima e vive a suprir a imagem que o Punpun possui dela - seja ela boa ou terrível. Talvez seu suicídio seja lido como um ato romântico para Punpun, talvez essa seja a libertação que Aiko encontrou nas idealizações provocadas por ele.


No fim, tanto os homens quanto as mulheres nesses quadrinhos possuem pensamentos intrusivos, afinal, todos são capazes de atos crueis. Talvez a personagem feminina em que podemos melhor notar isso seja a professora em Nijigahara Holograph, por ter salvo a menina do estupro e logo após isso ter sido agredida pelo seu estuprador com um tijolo em seu rosto, a deixando com uma marca pela eternidade. O que fica como protesto dela não é seu ato de salvamento, mas a sua inação. A sua incapacidade de mover-se e ajudar alguém novamente. Ela sente repulsa por pensar em ajudar algum aluno de sua turma que possa estar sofrendo bullying.

Talvez por ela ter deixado que esses pensamentos tomassem conta dela.
Talvez como ferramenta de autoproteção.
Mas creio que o resultado nessa personagem seja mais de um fato que ocorreu a ela do que a uma internalização, como em Punpun ou o protagonista de Nijigahara.

Creio que seja interessante realçar as diferenças entre os personagens femininos e masculinos em seus mangás pois isso de certa forma reflete o que Asano pode estar querendo nos contar. Talvez ele veja os homens como vilões, talvez veja as mulheres como realistas. Não sei o quão verídico isso é, pois não me aprofundei nas pesquisas a respeito de Asano, mas quem desejar contribuir, fica o espaço dos comentários para realizarmos nossas discussões.
Seguinte
« Prev Post
Anteriores
Seguinte »

✧ Como eu compro coisas pela internet