青 Shoujo Shuumatsu Ryokou - Episódio 3: 街灯 (Gaitou)



Em um animê como Shoujo Shuumatsu, seria muito esperado que ele divagasse, eventualmente, sobre existencialismo. Assim como provavelmente todos os outros capítulos serão, temos um episódio que, por si só, traz tudo o que precisamos saber sobre a filosofia do animê. Como ele transgride a ideia massiva de se aprofundar nos sentimentos de ume personagem através de monólogos; como isso combina com seu ritmo slice of life; como a dinâmica das duas personagens principais permite que várias pessoas se identifiquem com as cenas, seja por levar as coisas a sério demais ou não dar importância alguma a elas, seja por seguir em frente sem obsessão com o assunto em questão. 

Independente de como cada ume de nós se enxerga em relação a esses temas, era importante que Shoujo Shuumatsu tocasse no questionamento “por que vivemos”. Ainda melhor que tenha feito isso o mais cedo possível e com uma visão bem clara sobre como lidar com esse assombroso dilema. Não existe resposta certa para o sentido da vida, mas a ternura de entender o lugar de cada ser humano no mundo.



Para não desgastar nossas heroínas, o primeiro personagem episódico é apresentado para estudarmos sua dissociação. A introdução deste capítulo também é muito boa: uma visão panorâmica de prédios, que, como um todo, serão símbolos importantes para o desenvolvimento do episódio, seguida pela Chi perguntando à Yuu “por que nós continuamos vivendo?”. A partir daí, temos um pouco da posição - ou falta dela - de cada uma em relação ao assunto, o que virá a ser relevante quando forem tratar de Kanazawa, nosso novo personagem.



A Yuu é muito engraçada perguntando, ao ver um cigarro ainda aceso, se “as coisas pegam fogo do nada”. Chi responde que, obviamente, não, elas não pegam. Esse diálogo é uma indagação necessária para o animê reconhecer, através da fala, que tem gente por aí, que alguém acendeu o cigarro não tem muito tempo. Algo evidente. Ele faz isso sem que precisemos, por exemplo, ver a Chi falar em voz alta algo do tipo “este cigarro ainda estar queimando significa que alguém passou por aqui há pouco”, já que isso soaria como forçar a barra em um pensamento um tanto sem graça para uma pessoa com pensamento rápido como a ela. Essa é uma ótima demonstração do quão bem elas funcionam para o seguimento do roteiro.

Há duas vezes no episódio onde Chi se abriga nos braços da Yuu. Quando o prédio está desabando e Yuu está protegendo sua parceira, uma pedra bate na cabeça dela em meio a um momento tenso (onde algo está explodindo e elas estão apreensivas pela probabilidade de um humano estar por perto e este poder ser uma ameaça) e serve como alívio para essa tensão por se focar na Yuu, mesmo que apenas por meros segundos. A personalidade descontraída dela serve, em grande parte, como um escudo para a mente mais ativa e lotada de informações da Chi.



Este episódio ainda é composto de forma peculiar. Ele possui poucas trocas de cena em comparação aos dois anteriores. Faz sentir como se houvesse vínculo entre todos os cantos do enredo, como se nenhuma ponta estivesse solta dentro de sua progressão  -  o que será importante para o que discutiremos a seguir. Como tal, o tema de abertura é tocado antes do episódio iniciar, diferentemente do episódio anterior, onde as cenas foram separadas por maiores períodos de tempo mesmo dentro de seus dois 'arcos'. Além do mais, no início do episódio, Chi retorna uma dúvida do episódio anterior: de onde veio o peixe que elas comeram? Não seria surpresa se elas encontrassem uma resposta a essa pergunta em um futuro episódio.

A maioria das aproximações no rosto de Kanazawa o mostram bem de perto, como se quisessem dar destaque ao seu olhar caído. Sua apresentação envolve uma conexão bastante descarada entre o cigarro encontrado pelas meninas e ele acender um basicamente como forma de cumprimento. De qualquer modo, o que importa é que ele tem dificuldade para proferir qualquer palavra devido a seu isolamento, o que, mais um vez, nos faz pensar na natureza de um mundo sem civilização e de solidão.
 


Talvez acima de tudo, para fins da história principal que nos é contada em Shoujo Shuumatsu, a introdução de Kanazawa tenha outro objetivo: realçar que Yuu e Chi se importam muito uma com a outra. O animê intensifica essa ideia mais do que em episódios anteriores por agora termos alguém para assumir uma visão externa concreta.

Funciona assim: Ao que Kanazawa se aproxima delas pela primeira vez, Yuu aponta a arma em direção a ele para se defender. Kanazawa eventualmente pede para baixá-la. Yuu pergunta a Chi se pode, no que esta responde que sim. Mas Yuu continua apontando a arma, como se estivesse esperando mais algum sinal que indicasse que é, de fato, seguro fazê-lo. Chi levemente torna o olhar para ela ao notar que não abaixou a arma, talvez levemente surpresa, mas ainda despreocupada. Logo Kanazawa explica que queria fazer uma ponte, e por isso derrubou o prédio para servir desse propósito. Isso parecia bem óbvio para nós, Chi provavelmente já havia notado também, por isso não notou que Yuu, sendo mais lerda para entender as coisas, precisava dessa explicação para baixar a guarda em relação a essa nova pessoa. Nas palavras da própria Chi, elas “quase morreram no processo” de derrubar o prédio, afinal. Em seguida, Kanazawa vê as duas batendo nas roupas uma das outras para limpá-las e percebe que elas possuem uma relação bem íntima. De praxe, essa é uma conexão perfeita com a pergunta “sentido da vida” que é feita ao longo do episódio, já que, nos olhos subconscientes de Kanazawa, esse tipo de cuidado com pequenas coisas em relação a outra pessoa pode ser mais do que o necessário para rechear nossos dias de significado. Enquanto es três estão passando pela ‘ponte’ que Kanazawa fez, ele fala sobre o quão importante seu mapa é para ele, perguntando se elas não possuem algo assim também. Os rostos delas aparecem seguidos um do outro, mas elas respondem casualmente com outra coisa, como o diário da Chi. Quase sentimos como se elas não estivessem preparadas para responder algo mais profundo.




Ademais, a relação delas claramente terá altos ainda maiores em episódios mais frente, particularmente no sentido de Yuu dar muito valor a Chi. Devido a ela não precisar pensar em nada além de seu relacionamento com Chi (e não considerar que elas possam se separar tão facilmente), ela não pensa muito em coisas difíceis como a pergunta principal do episódio, de por que vivermos. Por outro lado, qualquer coisa que seja uma potencial intimidação ao bem estar de sua amiga, como um desconhecido aparecer na vida delas, acorda seu instinto protetor. Pode até parecer um instinto meio creepy, mas consideremos que faz total sentido no contexto pós-apocalíptico de Shoujo Shuumatsu. A Yuu não sabe muito do mundo além da relação delas. Isso é tudo o que ela tem. Chi, por outro lado, procura ler e saber mais sobre o o ambiente, o passado e as sociedades anteriores a partir de outras lentes. Mesmo que evidenciar o poder da relação dela seja algo sutil na direção do animê, acredito que esse seja o motivo de a presença do Kanazawa continuar sendo ‘alarmante’ mesmo depois de alguns minutos de interações entre ele e as meninas, como se ele realmente pudesse ser perigoso. Yuu não demora tanto, contudo, para se acalmar. Kanazawa ganha sua confiança ao falar mais de si e ajudá-las a subir com o veículo no prédio  -  e depois ao dizer onde podem conseguir combustível  - , então percebemos que o objetivo do episódio será outro. Enfim, novamente, a narrativa em forma de “uma grande cena” em um período relativamente curto de tempo ajuda a enaltecer que tudo o que é tratado nele está interligado.

Apesar de Chi entender as coisas mais rapidamente, ela também questiona Kanazawa de várias formas até se assegurar de que ele é confiável. Ela tentou entendê-lo bem antes de tentar acelerar o veículo para levantá-lo, o que poderia ter feito antes se quisesse. Chi queria ver até onde ele iria para ajudá-las, e, apenas possivelmente, o quão confortável Yuu se sentiria com sua presença.




É apropriado mencionar como a trilha sonora melancólica, mas ao mesmo tempo esperançosa ajuda nessa parte. Yuu, de seu jeito despretensioso e folgado, menciona sobre a conversa anterior dela com Chi sobre sentido da vida. Kanazawa fica interessado, um sentimento profundo é despertado dentro dele, ao passo em que ser chamado por elas para receber uma carona soa como um momento comovente.

Kanazawa colocar todo um esforço para levantar o veículo delas é a principal reviravolta das interações dessas três personagens, de estranhes para conhecides. Yuu percebe que ele talvez seja um cara normal e legal. A visão que tínhamos do prédio recém explodido por Kanazawa antes era por um ponto de vista mais torto. A poeira do derrubamento deixa o cenário esfumaçado, que é enfocado por somente um dos lados da ‘ponte’. Agora, depois de ele começar a colaborar, temos uma visão simétrica, mostrando que o prédio é uma ponte de verdade, pronta para unir esses personagens. Eles começam a trabalhar juntes.
 


Em contraste ao que vimos em episódios anteriores sobre motivações para guerra, neste trabalhamos a ideia de cooperação. Dois lados que se beneficiam por terem algo que o outro quer. Elas deram carona para Kanazawa e ele ajudou-as a encontrar combustível graças a seu mapa. Simples assim. Adicionalmente, o conhecimento geográfico de Kanazawa dá a elas um maior entendimento sobre a construção de civilizações, como essas áreas são super antigas, e não construídas por uma ou duas gerações atrás em sua estrutura.

Comentando mais ou pouco sobre a Yuu, a sua falta de senso comum é hilária e ao mesmo tempo assustadora. Nos remete a uma criança que pode falar e até fazer coisas que consideramos horríveis por não ter muito discernimento, apenas curiosidade e vontade de se expressar. Ninguém sensível o suficiente brincaria em tirar aquilo que uma pessoa acabou de falar que dá sentido à sua vida  -  e que afirmou com uma expressão tão séria e calma que, sem esse objeto, ele provavelmente morreria. Mas, lembrando, o contexto delas permite que conversas desse tipo fluam em um primeiro encontro naturalmente. Até mesmo que a retórica da Chi não seja tão assertiva além de chamá-la de “demônio” por ter pensamentos tão malvados.


 

Chegando aos momentos finais, é possível sentir o desespero e a dor de Kanazawa quando ele grita “meu mapa!” ao vê-lo caindo. A ironia da conversa des três, da Chi ter mencionado que deveria haver uma proteção no elevador pouco antes do acidente ocorrer parece como uma fórmula perfeita para representar os acontecimentos que vemos naquela cena. Das paletas de cores azuis angustiantes da primeira metade do episódio para o marrom alaranjado que toma conta de um cenário que pode levá-lo a qualquer lugar, do abismo ao paraíso no fim da torre que procuram, Kanazawa vê seu mundo desabar perante seus olhos. O sol vai desaparecendo no horizonte e deixa o cinza tomar conta dos sentimentos de fim de vida desse personagem. As palavras descompromissadas de Yuu sequer conseguem alcançá-lo por enquanto. O ambiente finalmente se escurece por completo. Parece que este é o fim de Kanazawa. De repente, um poste de luz ("Gaitou", em Japonês, ao que o título desta postagem faz referência) por vez começa a se ligar sozinho, como se a própria cidade construída pelos antepassados desses três personagens estivesse dizendo para continuarem, tentando iluminar seus caminhos. As duas meninas são a cereja no bolo que a jornada de Kanazawa precisava. Talvez Yuu, com seu jeito todo bobo, fosse a pessoa ideal para animá-lo no final das contas. Ela aproveita as coisas pelo que elas são, sem preocupação com profundidade. Um discurso minucioso - como o que Chi provavelmente faria - não teria sentido naquele único instante que Yuu precisou para ajudá-lo.

 







 
Por fim, nada melhor do que dividir comida com alguém para reforçar uma memória, ainda que não seja 100% positiva. Elas recebem, em troca do conforto que deram a Kanazawa, uma câmera fotográfica, provavelmente para gravarem mais momentos ao se dirigirem em direção “àquele lugar brilhante” que aparece no final do episódio.


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